segunda-feira, 13 de julho de 2009

FRENESI




Esta é uma temática recorrente aqui por estas linhas. Mas não há problemas em me repetir. É inevitável não poupar as linhas do meu blog quando se trata disso. Neste fim de semana estive lendo a respeito de um assunto que me inquieta, sobre algo que se passa concomitantemente na vida de todos nós.


Li um ótimo livro*, no qual o autor aborda algo que ele mesmo denominou como Síndrome do Loop, que se resume naquele efeito perverso pelo qual a precipitação das transformações tende a nos submeter a uma atitude de passividade, emudecendo a voz da crítica, nos deixando com mãos atadas, passando a impressão de que não podemos resistir ou questionar o poder tecnológico que se ergue rapidamente.


O autor - Nicolau Sevcenko - chama a atenção para a expansão tecnológica que nos traz uma inversão, visto que pervertemos nosso comportamento. Atualmente não são as máquinas que se adaptam a nós e sim o contrário. A cada dia mais, necessitamos ter uma vida mecanizada, principalmente nas grandes capitais, onde em tudo há um certo senso de controle.


Os próprios valores mudaram. Se antes éramos medidos por qualidades mais pessoais, hoje somos medidos pelo que ostentamos. Não há mais tempo hábil para os pormenores. Vivemos num ritmo tão acelerado que aquilo que apreendemos com mais rapidez é o que nos vale como referência.



Em grande parte, a responsável por esta vertigem é a indústria mais bem sucedida em tempos de guerra, praticamente a única a faturar muitas verdinhas, por exemplo, quando da grande depressão da década de 1930: A indústria do entretenimento. O frenesi de multidões afetadas pelo glamour das estrelas de Hollywood, o consumo desenfreado, as futilidades... Trocando em míudos: aquele ópio tal qual o futebol. Um ramo pra lá de rentável.


Como essa grande rede foi montada? Desde os seus primórdios a coisa funciona da mesma maneira: As rádios tocam as músicas da indústria fonográfica que são lançadas pelos filmes musicais da indústria do cinema. Esta fornece os atores e atrizes, cantores e cantoras cujas vidas são esmiuçadas nos programas de auditório/fofocas em rádio e TV. É um ciclo vicioso que se mantém vivo até os dias atuais. A internet é o mais novo braço - creio que o maior - deste ser cheio de tentáculos. E este é apenas um pedacinho que citei como exemplo deste grande mosaico no qual estamos inseridos e que no entanto, muitas vezes, nos flagramos indiferentes, simplesmente como alguém que segue uma viagem sem saber onde vai dar, olhando a paisagem.


Uma comunidade que perde sua capacidade crítica perde também sua identidade. A rapidez das mudanças sufocam a reflexão e o diálogo. O surto tecnológico não anula apenas a percepção do tempo, afeta igualmente a do espaço. Daí se desenvolveu o conceito de globalização: em vista da grandeza da conectividade tudo passou a ser visto com uma coisa só.


Este avanço monopoliza os benefícios para as nações mais desenvolvidas e coloca na passividade outras regiões mais atrasadas socialmente, com relação à exploração predatória e à promoção do abismo já profundo da desigualdade. O problema é que o que o autor nomeia como loop garante uma euforia irrefletida, onde falta o questionamento a respeito das consequências a médio/longoprazo de suas ações.



Para se ter uma idéia da dimensão deste monstro tecnológico é importante ressaltar que, somando-se todas as descobertas científicas, desde a origem da humanidade, simplesmente 80% delas (oitenta por cento!) se deram nos últimos 100 anos. Outro dado esclarecedor: o nível de conhecimento técnico aumentou cerca de 13% ao ano desde o começo do século XX. No início do XXI ocorreu a revolução da microeletrônica. Enquanto no primeiro caso o nível de conhecimento dobrava a cada cinco anos e meio, no segundo, é provável que dobre a cada doze meses.


Este processo estimula o que se chama por mal do presentismo, que pode ser identificado êm algumas esferas, em especial, no campo ambiental: Não há avaliação de riscos. Gerações futuras sofrerão as consequências acerca de decisões que não foram tomadas por elas, e por sua vez, os que tomaram as decisões não estarão mais aqui para assumir a responsabilidade.


Já no campo da política, este presentismo se faz ativo quando se percebe que as decisões são guiadas pela expectativa do eleitorado que possa refletir no maior número de votos. Como estas pessoas tem apenas interesses de natureza imediatista, temos o mesmo dilema do parágrafo aí de cima: as gerações futuras responderão também por possíveis carências resultantes da falta de investimentos com resultado a médio/longo prazo. Esta geração ainda não tem poder de voto, portanto, não pode sequer decidir sobre aquilo que recairá sobre ela amanhã.


A esfera da publicidade talvez seja a mais gritante. Sua sedução explora a comunicação até o seu limite por meio de apelos sensuais e sensoriais, aliados à fantasia de poder, posse, superioridade e juventude eterna. Apesar de muitos apelos beirarem o surreal, a publicidade sugere que todos estão ao alcance dessas "bençãos" em consonante à possibilidade individual de consumo.


Estas forças intensificam o que se chama de presentismo, além de promover uma verdadeira segregação social: Quem pode mais e quem pode menos. O menos privilegiado é simplesmente jogado às margens do sistema e visto como uma vítima da sua própria incompetência e falta de adaptação à vida moderna, ou seja, a culpa daqueles que não conseguem consumir é colocada neles mesmos. Eles irão então incorporar a imagem do fracasso, numa sociedade perversa, formada unicamente por ganhadores e perdedores.


O start desse conjunto de mudanças pode ser datado da época da Segunda Grande Guerra, quando cada inimigo procurava superar seu oponente por meio do avanço tecnológico. Na sequência, a Guerra Fria fortaleceu essa necessidade de crescimento (aliada à propaganda respectiva dos dois blocos).


Num intervalo curtíssimo de tempo ocorreu a multiplicação das redes de computadores, satélites e outros meios eletrônicos para troca de dados. Um nível de comunicação nunca cogitado antes. Os volumes de transações financeiras são efetuados, daqui por diante, pelo toque de algumas teclas, movimentando quantias inimagináveis a seletos grupos.


A aceleração foi de tal monta que se sobrepôs a qualquer tipo de controle e fiscalização por parte do Estado. Estes grupos podem sediar-se onde os impostos são menores, a produção se realiza onde a mão-de-obra é mais barata e seus executivos vivem onde o padrão de vida é dos mais elevados.


O chamado "Estado de bem estar social" que consiste na transferência de recursos provindos das grandes empresas através de impostos, foi desmantelado. Este sistema, que aplicava somas nos setores mais carentes da sociedade, foi pego de supetão. Seu sistema não estava adaptado para este crescimento tão inusitado. Além do mais esta partilha foi também ultrajada pela mobilidade possibilitada pela movimentação eletrônica.


Isto faz com que o Estado seja refém dos poderosos. Se o Estado não procurar anular as manifestações dos trabalhadores e de entidades ecológicas, limitando os direitos destas instituições, as multinacionais respondem com a debandada, desmantelando a estrutura, desempregando cidadãos e migrando para nações mais subservientes. Desta forma, o Estado é forçado a ir de encontro à sociedade.


Paralelamente a este contexto corporativo, pregava-se a idéia de um poderio econômico englobando toda uma nação. Afirmava-se que o país com mão-de-obra mais qualificada seria a mais bem sucedida. Porém, esta visão que agregava cidadãos foi se diluindo, entrando em cena o vale-tudo individual. O programa educacional se fragmentou, dando espaço apenas a aos privilegiados. A contrapartida é clara: um legado de milhões de desfavorecidos em todos os cantos do mundo.

Sobretudo, apesar deste quadro, o autor mostra que é possível (apesar de não ser tão fácil) nos desprendermos do conformismo, das amarras das inovações tecnológicas que por tantas vezes nos cegam e nos deixam acéfalos. Precisamos nos desgarrar por alguns momentos e refletir criticamente. Este é o alerta máximo com o qual estou de acordo.

*Nicolau Sevcenko: No Loop da montanha russa. Editora:Companhia das Letras

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